quinta-feira, 10 de setembro de 2009

sobre maysa.



"Conheci Maysa na metade da década de 70 em uma viagem de trem de São Paulo para o Rio de Janeiro. Ela estava na cabine do restaurante quando entrei com a timidez que me é peculiar e que me traz também um certo ar de mistério, de charme. Sentei-me perto dela e acabei, não sei como, sentada à mesma mesa dela, a gargalhar de alegria e de prazer. Maysa era só magia, fôrça, sedução. Uma mulher atraente, inteligente, acompanhada de uma eterna angústia existencial.

Compartilhava com ela os momentos mais prazerosos de uma amizade que parecia duradoura, se não fosse a morte arrebatá-la para quase sempre. Digo quase sempre porque sei que aquela energia tão especial que tive a alegria de experimentar, deve estar armazenada em algum lugar deste imenso infinito. Uma energia como a dela não pode perder-se ou acabar-se de repente. Ela está viva na sua obra, na sua perene imagem de mulher-deusa, na sua beleza.

Maysa foi uma mulher moderna para sua época, uma cantora apaixonada, de talento incomum. Isso tudo fazia da menina à sua frente uma admiradora, uma fã arrebatada por seu feitiço. Lembro-me de vê-la à distância, ainda nos anos 60, logo no início da minha carreira, quando participamos de um festival. Ela já era um mito, uma artista respeitada e reverenciada. Maysa passava, a nós iniciantes, uma carga de intensidade sem igual. Víamos nela o brilho raro das grandes intérpretes, em que a vida se misturava à sua arte. Ficava evidente que se tratava de uma mulher decidida e firme nas escolhas do que queria fazer, cantar e agir. Pessoalmente, ela era delicada e pouco impositiva, embora na carreira agisse de modo determinado.

Assim como eu, Maysa era uma pessoa que amava o silêncio das madrugadas. Costumávamos conversar muito por telefone, descobrindo as miudezas da amizade e trocando experiências diversas. Ela era uma profissional bastante exigente e conhecia de longe quando uma situação valeria à pena. Tinha idéias súbitas de fazer parcerias, apresentações e novas canções, em projetos que o tempo não nos permitiu cumprir. Como artistas estivemos juntas apenas em uma ocasião, na gravação de um número musical para o programa Fantástico, mais ou menos um ano antes da sua morte. Ela cantou Coração Vagabundo e eu, por sugestão dela, Resposta, uma composição dela mesma e que traduzia perfeitamente aquela mulher avançada.

Por tudo isso compreendo hoje que Maysa, independente de seu repertório romântico e passional, foi uma mulher moderna. Moderna no sentido de ter espírito inquieto, de acreditar em atitudes fortes, de mostrar opinião própria em assuntos considerados pouco convencionais e por viver daquele modo cheio de audácia. Ela continua uma presença incomparável na MPB. Ninguém parece com Maysa e dificilmente surgirá outra cantora do seu jeito"

Gal Costa.

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